quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Banalização

Parei a moto para tomar um lanche na padaria, e já do nada veio à mim um sujeito que nunca vi mais esdrúxulo, balbuciando palavras inintelegíveis, tentando criar algum elo de simpatia ou cumplicidade comigo, logo vi que se tratava da deplorável figura do flanelinha uma nova espécie que veio "abrilhantar" a já insólita fauna das grandes cidades.
Nem preciso dizer que o ignorei aparentemente, mas internamente ele já havia azedado meu fígado, mal paro seja onde for e já tenho que dar satisfação a um estranho, não gosto de interações dessa natureza, e ademais flanelinha para moto??? Oras, francamente...
Pois bem, uma vez instalado e mal-humorado na padaria, tratei de fazer meu pedido, obviamente sem descarregar meu mal-humor no atendente que nada tinha com a história do flanela.
Ok, pulando detalhezinhos, pormenores e perfumarias (senão viro um Joaquim Manuel de Macedo [já virando aliás de tanto me explicar])
Estava ogramente mastigando um misto-quente, quando na bela tv de lcd da padoca-chic, passa uma notícia de um deslizamento de terra em algum cafundó do Brasil que fez vítima uma criança, um garotinho pra ser mais exato.
Até aí nada de novo, agora tragédias pululam em todas as mídias a toda hora.
O grande lance é o efeito disso, a reportagem tentando a todo custo causar alguma comoção e toca a entrevistar a mãe, aflita, e se indignar com a situação etc...
E eu impassível...muito mais preocupado se o balconista ia demorar muito pra me trazer o açucar que havia pedido.
Daí o insight...a míseria humana não me comove, gente não me comove, muitos deslizamentos irão ainda vitimar muitos meninos pobres e muitas mães analfabetas ficarão angustiadas e aflitas, essa é a regra, é o normal, se comover porquê?
A facilidade da notícia, tirou qualquer possibilidade de espanto, as matérias jornalísticas passam uma indignação pasteurizada, as pessoas se indignam e se conformam na velocidade de um comercial de T.V.
Num segundo é a tragédia, e no segundo seguinte é uma chance de comprar um movél medonho em duzentas prestações de 1, 99 (aliás outra cretinice esse lance de ter sempre um 0,99 em todas as ofertas).
Enfim, ali percebi, que não quero saber de flanelinhas e seus problemas, não nem aí, pra meninos soterrados e suas mães sofridas, aliás essas reportagens são chatas e de mau-gosto, bem na hora que eu estava comendo.
Se ser humano é solidarizar-se com a dor do próximo, eu sou um alien e do tipo hostil, porque meu processo de brutalização me parece irreversível.
No máximo posso ser o mineiro da frase do Otto:
"Solidário no câncer"

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Cinema

Dos recentes filmes que eu vi sem dúvida que o que eu considero mais interessante e estimulante do ponto de vista de referências e reflexão foi distrito 9, ali subverteu-se o lugar-comum do E.T. hostil, tão exaustivamente explorado, para um olhar mais antropológico, e inevitavelmente assustador, no filme o ser-humano, sempre tão eivado de boa vontade e injustiçado, é desnudado na besta- fera que geralmente tende a ser quando sob o manto da impunidade que todo movimento maciço proporciona.
Livre para ser mau, porque todos o são, ou somado à turba o indivíduo comum e até mesmo sensato libera,não sem prazer, seu potencial maligno ou pelo menos parcela dele.
O tom de documentário do filme, extensão de sua campanha de divulgação, também merece boa menção, porque senão abrilhanta a obra, para quem não gostou, também não a ofusca.
Estão presentes as referências gritantes ao aparthaid, nota-se a convivência de religiosidade primitiva com tecnologia de ponta, o que é interessante observar é esse choque do ontem obscuro com o hoje tecnológico (mas não necessáriamente menos cruel).
E até há uma história de amor, mas dessa vez ela é pano de fundo mesmo, e não, como de costume na escola americana de cinema, principal.
Bom filme, eu recomendo, à mentes desarmadas do apego à clichês.